O
Uruguai tornou-se nesta terça-feira o primeiro país do mundo a legalizar a
produção, a distribuição e venda de maconha sob controle do Estado.
O
projeto foi aprovado após 11 horas de discussão no Senado, após ter passado
pela Câmara. A sanção do presidente José Pepe Mujica é tida como certa.
Segundo
o governo, o objetivo da lei é tirar poder do narcotráfico e reduzir a
dependência dos uruguaios de drogas mais pesadas
A
lei foi atacada pela oposição. O líder colorado Pedro Bordaberry disse que
"não se pode fazer experimento com isso, são coisas muito sérias".
Já o
senador governista Ernesto Agazzi defendeu o projeto e foi irônico ao falar da
estratégia de combate às drogas em vigor no mundo.
"Não
sei se a guerra às drogas fracassou. Para alguns ela tem funcionado muito bem,
alguns têm ganhado muito dinheiro"
Quem
vai supervisionar a 'indústria' da maconha?
Pela
lei, o Estado assume o controle e a regulação das atividades de importação,
produção, aquisição, a qualquer título, armazenamento, comercialização e
distribuição de maconha ou de seus derivados.
Uma
agência estatal, o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA),
ligado ao Ministério da Saúde Pública, será responsável, por sua vez, por
emitir licenças e controlar a produção, distribuição e compra e venda da droga.
Em
suma, todas as fases do processo terão, de alguma forma ou de outra, a presença
do Estado .
Quem
pode comprar e plantar maconha?
Todos
os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos, que tenham se
registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha
poderão comprar a erva em farmácias autorizadas.
Além
disso, os usuários poderão ter acesso à droga de outras duas maneiras:
- Autocultivo pessoal (até seis pés de
maconha e até 480 gramas por colheita por ano) .
- Clubes de culturas (com um mínimo de 15
membros e um máximo de 45 e um número proporcional de pés de maconha com um
máximo de 99).
A
lei limita a quantidade máxima que um usuário pode portar: 40 gramas. A
legislação também determina o máximo que uma pessoa pode gastar por mês com o
consumo do produto.
Ainda
não está claro, no entanto, qual será o preço da maconha legal. Embora o
governo pretenda competir com o narcotráfico estabelecendo preços de mercado —
por exemplo, US$ 1 (R$ 2,30) por grama —, organizações de consumidores
asseguram que essa meta será difícil de ser cumprida.
A
erva também poderá ser cultivada para o uso científico e medicinal, que poderá
ser obtida por meio de receita médica.
A
lei também legaliza a produção da maconha no princípio ativo conhecido como
cânhamo industrial (presente em alguns hidratantes, por exemplo).
Produtores
também poderão cultivar a erva, desde que autorizados pelo Estado.
Como
as licenças são concedidas?
De
acordo com dados do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, 20% dos uruguaios
com idade entre 15 e 65 anos usaram maconha em algum momento de sua vida e 8,3
% o fizeram no último ano.
O
plantio de 10 a 20 hectares (em torno de 15 vezes a dimensão de um campo de
futebol) de cannabis em estufa seria suficiente para atender a demanda
nacional, de acordo com estimativas oficiais preliminares.
De
acordo com uma pesquisa realizada por uma consultoria privada, 63% dos
uruguaios são contra a lei de regulação da maconha, uma proporção semelhante à
registrada há um ano, quando o presidente do Uruguai, José Mujica, apresentou a
proposta .
O
projeto de lei não especifica quais serão os critérios para outorgar licenças,
qual será o custo da erva ou quem estará autorizado a cultivar o produto.
Por
outro lado, a regulação estabelece a criação dos registros correspondentes para
a produção, o autocultivo e o acesso à maconha por meio de farmácias.
Esses
registros serão guardados pela lei de proteção de dados sensíveis ou lei do
habeas datas e serão administrados pelo Instituto de Regulação e Controle de
Cannabis.
De
acordo com estimativas do governo, o volume previsto de produção da maconha é
de 26 toneladas anuais, o equivalente ao total consumido no mercado negro.
Segundo
afirmou à BBC o diretor do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, Julio
Calzada, o governo prevê outorgar inicialmente poucas licenças a produtores de
maconha (em torno de 20) de forma a garantir a segurança e os níveis de
colheita necessária para atender a demanda.
As
primeiras licenças devem começar a ser concedidas em meados do próximo ano. Qualquer
plantação não autorizada deve ser destruída com a intervenção de um juiz e o
IRCCA será responsável pela implementação das sanções caso haja violações das
normas de licenciamento.
Como
a legalização afetará outros países?
A
maconha será produzida em solo uruguaio, mas as sementes poderão ser
provenientes de outros países.
Além
disso, o Uruguai poderá se voltar para o mercado global para vender suas
sementes e poderá exportar os seus produtos para outros países onde o uso
medicinal ou recreativo da droga é permitido.
Segundo
Calzada, "há um movimento interessante de produtores, agricultores, tanto
a nível nacional como internacional, que excede em muito as licenças que o
Estado irá proporcionar."
"Há
empresas interessadas e também alguns casos governos, que estão interessados em
licenças para o uso medicinal", diz ele.
Alguns
países, entretanto, como o México e o Brasil, demonstraram preocupação com a
aprovação da lei.
"Em
nenhum momento tentamos convencer nenhum país do que estamos fazendo
aqui", diz Calzada, "mas queremos dar a garantia a outros países de
que a maconha produzida legalmente aqui não vai acabar no mercado negro. Este é
o nosso compromisso".
O
consumo deve aumentar?
Segundo
o governo, a medida não ampliará o mercado de maconha: a lei simplesmente
regulariza o uso para não incentivar o consumo.
No
entanto, os opositores da lei temem quem, com a legalização, mais jovens
queiram consumir a droga.
O
governo já anunciou que vai desenvolver planos para prevenir o consumo e
proibiu a publicidade e venda do produto para menores de 18 anos.
A
lei também determina a criação de uma Unidade de Monitoramento e Avaliação da
aplicação e cumprimento da nova legislação.
Segundo
o governo, as receitas obtidas com a legalização da maconha serão destinadas ao
financiamento de programas de prevenção, reabilitação e outros fins sociais .
A
indústria de cannabis pode crescer?
Enquanto
o governo diz que a prioridade é roubar o negócio do tráfico de drogas e
promover a prevenção, algumas pessoas disseram que a lei poderia até trazer
benefícios econômicos para o país.
De
acordo com o grupo que reúne as organizações a favor do projeto, o Regulación
Responsable, "oportunidades de negócios para os produtores nacionais,
farmácias e outros atores envolvidos na cadeia de produção são abertas."
"Nos
últimos anos, o mundo iniciou um processo de pesquisa e geração de conhecimento
sobre a maconha , especialmente na área médica e farmacêutica", disse à
BBC Martin Collazos, do Regulación Responsable. "Há cannabis com fins
psicoativos, mas também industriais: produção de tecido a base de cânhamo,
papel, biocombustíveis e infinitas possibilidades de incorporar a produção de
mais-valia da cannabis", diz ele .
Atualmente,
estima-se que o mercado de maconha ilegal no Uruguai movimente cerca de US$ 30
milhões (R$ 70 milhões) por ano.
Fonte: BBC Brasil
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